quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Primeiro conto: Sobre o que veio e não passa


Paulo já tinha 92 anos, e estava deitado em sua cama aguardando que os anjos o levassem. Ao seu lado, Clara, com 90, fora sua esposa durante toda a vida.

Paulo fitou Clara. Em nada lembrava aquela menina magrinha e mirrada que conhecera há quase setenta primaveras. Mas o peso da idade e as rugas não tiravam a beleza que ele sempre viu em sua esposa. Aliás, ela estava mais bela do que nunca.

Fechou os olhos e se lembrou de como foi difícil o começo no Brasil. Ela era uma estudante de fisioterapia. Ele estudava jornalismo, mas tinha uma forte queda pelas artes. Seu sonho era ser ator e músico. Tinha uma banda em sua cidade natal que já estava se encaminhando para o sucesso. Mas um dia teve de escolher entre abandonar sua carreira ou abandonar Clara. O tempo lhe provou que fizera a escolha certa.

Lembrou-se também de seu casamento, de seu primeiro apartamento, num bairro de classe média de Curitiba, onde tiveram José, seu filho. Recordou-se de como a vida fora dura no começo, de que seus amigos diziam para que ele abandonasse seu amor, que as voltas do mundo e as dificuldades da vida os impediriam de ficar juntos.

O problema é que eles nunca souberam que algo mais forte do que o próprio amor os unia, e as voltas do mundo serviram apenas para fortalecer seus laços.

Ela também foi uma grande fisioterapeuta. Ele recomeçou sua carreira de músico, fez sucesso. Viveu de música como sempre sonhara. Já mais velhos, ele com 70 e ela com 67 anos, se mudaram para a Suíça, sonho que dividiam desde os tempos da mocidade. Foram, mas não sem antes conhecer sua primeira netinha, que mais tarde fora o orgulho dos avós.

Abriu os olhos, fitou sua amada mais uma vez. Com um breve aceno, feito com dificuldade, chamou-a ao pé da cama. Sussurrou-lhe aos ouvidos:

"Eu consegui? Eu te fiz feliz?"

Com a voz embargada e com água nos olhos, Clara lhe respondeu:

"Sempre, meu amor, você sempre conseguiu tudo o que quis! E eu, te fiz feliz?"

Paulo abriu um sorriso, mas não houve tempo para resposta. Fechou os olhos para nunca mais abrí-los novamente. Mas seu sorriso falava por ele: Jogara seu sonho fora, arriscara tudo por um amor. Deu certo. Fora muito feliz durante toda a sua vida.

Clara morreu dois anos após tornar-se centenária. Conheceu seu bisneto e fora feliz por seu amado, enquanto esperava para se juntar a ele. A hora finalmente chegara...

Fora enterrada ao lado dele. No túmulo a seguinte inscrição:

"Aqui jaz um casal cujo amor fora tão forte que nem mesmo a morte conseguiu separá-los."

E logo abaixo, em letras de bronze, uma antiga brincadeira que Paulo e Clara tinham entre eles, uma sigla:

"SJ".



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