sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Conto nº 2: Metáforas sobre a consciência.

"A noite vai ser longa".

Esse foi o primeiro pensamento de Luís quando acordou as duas da manhã e viu que o lado direito de sua cama de casal estava vazio. Ele nunca conseguiu acreditar no que havia acontecido. Levantou, esfregou seus olhos azuis - e como Helena os elogiava antigamente - sentou novamente na cama. A carteira de cigarros quase vazia e o fósforo eram convidativos. Acendeu um, mas não fumou, ficou observando a fumaça subir e fazer desenhos no ar. As vezes parecia até que a fumaça tomava a forma das suaves mãos de sua amada e acariciavam seus cabelos.

Luís nunca superara o acidente daquela noite. Depois de uma festa regada a muitas margeritas, o velho Taurus 93 azul parecia não ter controle. Um meio-fio, três giros no ar, e ela se foi para sempre.

"Não posso morrer também".

Levantou. Estava decidido a mudar a sua vida. Tomou um banho, colocou sua roupa menos suja - A velha calça de brim desbotada, a camisa de fio tricotada cuidadosamente por Helena, e o seu característico All-Star preto. Ao calçar o tênis, um pensamento:

"Como ela odiava esses tênis". Recordou-se com saudosismo das briguinhas que aquele par de calçados já havia causado.

"CHEGA!"

Um ano já era muito tempo perdido, e Luís estava disposto a viver novamente. Pegou as chaves, trancou bem o apartamento 1503 e desceu até a garagem, onde o que o aguardava não era mais o Taurus, mas sim uma moto preta, que já não era mais tão preta, fora castigada pelo tempo e pelo uso - foi tudo o que ele conseguiu comprar sem que as dívidas o matassem de inanição.

A rua deserta. Apenas Luís, sua moto e os pensamentos.

"Tudo culpa minha", pensava. Agora as lágrimas já lhe escorriam pela barba mal feita e caíam no velocímetro, que apontava 130km/h. Os olhos marejados e a viseira arranhada do capacete embaçavam-lhe a visão. Fechou os olhos com força, tentando espantar das vistas e da mente o que tanto lhe atormentava. Abriu novamente, dois faróis altos. Era o Taurus 93 azul. Soltou-se do guidão, abriu os braços, sorriu.

"Eu estou chegando, meu amor"...

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